sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Bate Levemente

Aparece de mansinho, pezinhos-de-lã para não acordar ninguém.
Discretamente
Apodera-se da paisagem, molda-a à sua imagem.
Levemente
Desce,
Vai descendo cada vez mais, à medida que a cidade desperta.
Toca nas árvores, desliza pelos edifícios, acomoda-se nos carros...
Quer senti-los!
Quer senti-los como seus, senti-los de todas as maneiras,
Apoderar-se de toda aquela matéria física.
Como se fosse gente,
Corre para o aconchego dos primeiros madrugadores,
Refugia-se nos seus abrigos, nos seus capuches e guarda-chuvas.
Como um parasita, suga-nos a felicidade, traz-nos a apatia.
De mal-humor o encaramos,
Irritado nos responde,
Ninguém cede neste braço-de-ferro.
Queremos que volte a casa. (sente-se sozinho)
Queremos que desapareça. ele só quer companhia.
Alguém com quem possa adormecer
(mas à noite todos lhes fecham a janela)
Por isso fica acordado, olhando pelas janelas,
Desejando fazer parte daqueles filmes americanos
Daqueles em que o protagonista fica com a rapariga gira
(ao menos tem alguém que o aqueça nestas noites frias)
Quer sumir, como fumo no ar, para que não possa ter de acordar novamente.
Quer acabar com o seu sofrimento todo.
Quer poder saltar dum edifício e não ter que pensar que será inútil, que será em vão.
(afinal é só lágrimas)
Finalmente cede, como alguém que desiste duma greve de fome.
Ferido por dentro, é verdade. Mas a Fome aperta.
Vira costas, segue caminho.
Vai para o oceano.
Levam-o os rios, recusando algo em troca.
(Correm por gosto).
Suavemente, desaparece no horizonte. Amanhece.
A cidade acorda.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

(Des)cristalizado

Pensei ser gente um dia. Viver eternamente nesta fatal banalidade, á espera que chegue a hora em que tudo tem sentido.
Fui durando, aderindo às trivialidades monótonas, seguindo as rotinas pré-definidas. Sentava-me á noite cansado da imperturbação contínua, sóbrio da insuficiência da minha inexistência.
Gangrenado, fui concluindo o óbvio: para ser alguém tinha de saber amar.
Amar... verbo proibido que significa entregar-se de corpo e alma a alguém; ser uma e duas pessoas ao mesmo tempo com outra pessoa.

Amar? Nunca soube o que isso era, ou é... Não é algo que se aprenda nos livros escolares, infantis, de fantasia, romances, de cheques, policiais nem de aventura. É algo que simples e naturalmente cresce dentro de nós quando já não conseguimos viver sem aquele sorriso de final-de-tarde.
Ouvi dizer que é fantástico, que o mundo não vive sem amor, só dura.
Que quem não ama, não é feliz.
Aqui estou eu, então, mera marioneta do destino, á espera que mude o meu Fado.
Descontente, então, aqui moro, só de passagem, sentado á espera de aprender essa palavra, pois
Quando te conheci o meu rosto, enfarpado, deixou escapar um sorriso.
Descristalizado, desparalizado me deixaste, trouxeste-me o paraíso.
Por isso quis, e quero, aprender a amar, a amar-te...

Nesta noite, ensina-me a amar