sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Bate Levemente

Aparece de mansinho, pezinhos-de-lã para não acordar ninguém.
Discretamente
Apodera-se da paisagem, molda-a à sua imagem.
Levemente
Desce,
Vai descendo cada vez mais, à medida que a cidade desperta.
Toca nas árvores, desliza pelos edifícios, acomoda-se nos carros...
Quer senti-los!
Quer senti-los como seus, senti-los de todas as maneiras,
Apoderar-se de toda aquela matéria física.
Como se fosse gente,
Corre para o aconchego dos primeiros madrugadores,
Refugia-se nos seus abrigos, nos seus capuches e guarda-chuvas.
Como um parasita, suga-nos a felicidade, traz-nos a apatia.
De mal-humor o encaramos,
Irritado nos responde,
Ninguém cede neste braço-de-ferro.
Queremos que volte a casa. (sente-se sozinho)
Queremos que desapareça. ele só quer companhia.
Alguém com quem possa adormecer
(mas à noite todos lhes fecham a janela)
Por isso fica acordado, olhando pelas janelas,
Desejando fazer parte daqueles filmes americanos
Daqueles em que o protagonista fica com a rapariga gira
(ao menos tem alguém que o aqueça nestas noites frias)
Quer sumir, como fumo no ar, para que não possa ter de acordar novamente.
Quer acabar com o seu sofrimento todo.
Quer poder saltar dum edifício e não ter que pensar que será inútil, que será em vão.
(afinal é só lágrimas)
Finalmente cede, como alguém que desiste duma greve de fome.
Ferido por dentro, é verdade. Mas a Fome aperta.
Vira costas, segue caminho.
Vai para o oceano.
Levam-o os rios, recusando algo em troca.
(Correm por gosto).
Suavemente, desaparece no horizonte. Amanhece.
A cidade acorda.

1 comentário:

Anónimo disse...

Enquanto lia inicialmente o poema, o assunto parecia-me discreto, confuso e "nublado". Porém, após o ultimo verso, tornou-se claro e merecedor da minha atenção ;)
Continua...
:)
Suely